Poems in Portuguese by Leonor Scliar-Cabral with translations by Alexis Levitin

ÁGUAS PARADAS 

O meu olfato aos poucos vai morrendo.
Sem saber que estou surda, da janela,
surpreendo o badalar de um velho sino
que não me chega

e a brisa em sopro faz tremeluzirem
as corolas douradas dos jacintos
e os cachos das glicínias pendurados,
quase inodoros.

Os frascos de perfume estão vazios
e as gotas esparzidas sem vestígio,
sem encontrar abrigo nos meus poros,
envelhecidos.

E nem eu sinto o que eu própria transpiro,
um odor acre em jarra enferrujada,
águas paradas no odre com sua pátina,
e com seu mofo.

Stagnant Waters

My sense of smell is dying bit by bit.
Not knowing that I’m deaf, from the window,
I glimpse the tolling of an ancient bell
that doesn’t reach me

and the wafting of a breeze makes golden
open petals of the jacinths tremble
with dangling bunches of wisteria,
almost odorless.

The flasks of perfume now lie emptied out
while all the sprinkled drops have left no trace,
not finding any shelter in my pores,
so very old.

Not even I can smell what I am sweating,
an acrid scent, an aged rusting jar,
stagnant waters in a worn-out wineskin
stained dark with mold.

FOGO MORTO

Cinzas de um fogo morto,
lavas à noite extintas,
dispersas pela névoa
das frias madrugadas
do meu isolamento
a contemplar o nada.

Um gris sem arco-íris
mistura o céu e o mar
na imobilidade
que não vislumbra o sol
e o seu carro esquecido,
partidos para sempre.

Minha vida é uma caixa
de fósforos usados:
as cinzas da lareira
empoam a mobília
e as lajes do assoalho
(ficam minhas pegadas).

A Fire Spent

Ashes of a fire spent,
quenched lava in the night,
scattered by the misty
chill of slowly breaking days
in this, my solitude,
eyes staring at the void.

Greyness without rainbows
compounding sky and sea,
an immobility
that cannot glimpse the sun
and its forgotten car,
forever gone from sight.

My life is a small box
filled with burnt-out matches:
ash from the fireplace
powders the furniture
and coats the tiled floor
where my dead footsteps lie.

VIRGENS LOUCAS

Essa barreira em transpor o sonho
para o gesto mais simples de um afago.
Esse medo de ouvir uma recusa
definitiva.

Semi-escondida sob o reposteiro,
o olhar envia beijos e carícias
ao jovem debruçado na sacada,
ar distraído.

Ecoam pelas tardes em declínio
as vozes de um prelúdio sem palavras,
declaração jamais articulada
na boca tímida.

E o desejo na carne estremecida
traça arabescos, dança incompreensível,
carentes de um leitor que os revele,
despudorado.

Assim prossegue o tempo em desperdício,
tempo de floração morta na relva
e trescala um aroma indefinido
de virgens loucas.

Virgins Going Mad

That barrier to bringing a fond dream
into a simple gesture or a touch.
That fear of hearing a refusal, cold,
definitive.

Half-hidden in the heavy curtain folds,
my gaze sends kisses and caresses
to a youth leaning from a balcony,
his thoughts elsewhere.

There echo through the waning afternoons
the voices of a prelude without words,
a declaration never given shape:
my timid mouth.

And my desire in its trembling flesh
draws arabesques, a dance inscrutable,
needing a reader to decipher it,
one without shame.

Thus time goes on and time is squandered, spent,
the time of flowering, dead now on the grass,
and time emits a fragrance, undefined:
virgins going mad.

PLENILÚNIO

Milhões de luas plenas se propagam,
reflexos carregados pelas ondas
e lambem a baía como vulva
até a loucura.

A areia no prazer da morte treme
e a entrega inacabada se prolonga
na noite de lamentos e de uivos.
É lua cheia.

O mar é leite morno derramado
da eterna fonte que jamais se esgota
e geme sem cansaço a sua perda
que se renova.

Contemplo do balcão a paisagem
que se reflete noutras paisagens
de uma ignorada lua, um mar perdido
dos desencontros.

Full Moon

Millions of full moons are reproducing,
reflections carried by the surging waves,
licking at the bay as at a vulva,
driving it almost mad.

The sand is trembling in the joys of death
and the unfinished gift prolongs itself
in a howling night of lamentations.
The moon is full.

The waves are spilling forth the sea’s warm milk
from an eternal source that won’t run dry,
and tirelessly they bemoan a loss
that always is renewed.

From my balcony I watch a landscape
reflected in other distant landscapes
on a moon ignored, on a now lost sea
of missed encounters.

ACÁCIAS

Setembro explode em ouro pelos galhos
e filtra um sol tímido nas pétalas
desmanchadas na calha dos telhados,
depois da chuva.

A cada primavera eu renasço,
beaudelairiana em vinho me inebrio,
envelhecido em ânforas de outrora,
doce quimera.

Óleos preciosos como ensina a Bíblia,
deslizo ao longo do corpo sedento
como se me aguardasse um leito de núpcias
com o meu cúmplice.

Em translação fatal prossegue a Terra
e tudo se repete a cada ano
e a primavera volta e o meu anseio,
insatisfeito.

Acacias

April comes, bursts forth golden on the boughs
as timid sunlight filters through faded
broken petals in gutters on the roof,
when rain has passed.

Each time spring comes I find myself reborn,
And I, Baudelairian, drink deep my wine
aged in amphoras of another time,
oh, sweet chimera.

Precious unguents as the Bible teaches
float and flow along my thirsting flesh
as if a nuptial bed awaits both me
and my accomplice.

The earth goes on in fatal revolutions
and everything repeats itself each year
and spring returns and all my eagerness,
insatiable.